Ana Viseu on 17 Oct 2000 04:03:44 -0000


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[nettime-lat] mercado de PCs saturado



http://jornal.publico.pt/publico/2000/10/16/Computadores/TI07.html
Por ANTÓNIO EDUARDO MARQUES, jornalista do Público


Intel, Apple e Dell anunciaram vendas aquém do esperado

Estará o Mercado dos PC à Beira da Saturação?


As últimas semanas têm sido pródigas em anúncios, por parte de muitas 
empresas mundiais de informática, de que não irão atingir os seus 
objectivos de vendas para o terceiro trimestre deste ano. A primeira a 
anunciar as más notícias foi a Intel, o que provocou desde logo uma onda de 
venda de acções no sector das empresas de tecnologia. A Intel atribuiu as 
suas desventuras à conjuntura internacional, mais propriamente ao 
abrandamento da procura na Europa. Só que uma constipação no líder é, por 
norma, sinal de pneumonia na concorrência.

Precisamos de esperar por esta semana, quando começarem a surgir os 
anúncios formais de resultados relativos ao terceiro trimestre, para 
confirmar as previsões, mas a verdade é esta: por muito erros que a Intel 
tenha cometido durante este ano (e, como veremos a seguir, foram alguns), 
um sinal de abrandamento nas vendas de microprocessadores, o seu principal 
negócio, significa que se venderam também menos computadores pessoais do 
que se pensava inicialmente.

No caso da Intel, contudo, não só de processadores a menos viveu o terceiro 
trimestre. A empresa cometeu erros graves, e potencialmente irreversíveis, 
no campo dos "chipsets" (o "chipset" é o conjunto básico de circuitos a 
partir do qual é construído um computador). O pior deles foi o "chipset" 
Intel 820, anunciado no final de 1999 para suportar a última geração de 
processadores Pentium III. A principal novidade no i820 era o suporte de 
memória do tipo Rambus, que a Intel considerava essencial para tirar 
partido do seu mais poderoso "chip".

Mas o mercado não achou o mesmo devido ao preço elevado da memória Rambus e 
praticamente ignorou o i820... até que a Intel se viu obrigada a criar uma 
versão do 820 capaz de funcionar com a mais convencional memória SDRAM.

Pior a emenda que o soneto: o componente electrónico que permitia traduzir 
os sinais de SDRAM para que o resto do "chipset" os pudesse entender, o 
chamado MTH (Memory Translation Hub), tinha um defeito de concepção. 
Resultado: a Intel teve de recolher todas as suas placas-mãe baseadas na 
versão modificada do i820 bem como as placas vendidas por outros 
fabricantes mas que usavam igualmente aquele "chipset".

O que a Intel prometeu na altura foi resolver rapidamente os problemas com 
o i820. Mas tal não aconteceu tão depressa como era suposto e os atrasos 
tiveram dois efeitos secundários. O primeiro foi que a empresa VIA 
Technologies, da Formosa, viu o mercado aceitar cada vez mais os seus 
"chipsets" - que, ao contrário dos da Intel, são também concebidos para 
suportar processadores da AMD, sua rival.

O segundo foi a morte do projecto Timna, um processador integrado que 
deveria conter no mesmo pedaço de silício um controlador de memória e 
circuitos gráficos, permitindo assim construir máquinas de gama baixa 
especialmente baratas.

Mas o Timna tinha sido concebido com a Rambus em mente e o facto de os 
preços desta memória terem continuado elevados fez com que a Intel tivesse 
de mudar de planos e adaptar o Timna para funcionar com SDRAM... com o 
mesmo MTH que trouxe os problemas ao i820.

Entretanto, o mercado continuou a evoluir. A própria Intel possui um 
"chipset" integrado com circuitos gráficos (o i815), que, conjugado com os 
cada vez mais baratos Celeron, permite atingir os mesmos objectivos que o 
Timna.

Contudo, a Intel previa ter introduzido este "chip" durante o Verão 
passado, que é o mesmo que dizer no terceiro trimestre, e a desistência do 
projecto significou uma perda de receitas. Apesar de tudo, a empresa 
continua à espera de receitas superiores entre 3 a 5 por cento às 
registadas no segundo trimestre. Só que os analistas
- e os accionistas - esperavam mais.

Mais preocupante é o caso da Apple, que perdeu 52 por cento do seu valor em 
bolsa após o anúncio de que os seus resultados para o terceiro trimestre 
seriam "substancialmente abaixo das expectativas".


Não que a empresa vá apresentar prejuízos. Tal como na Intel, trata-se 
apenas de uma redução no volume previsto de vendas - 110 milhões em vez de 
165 milhões, uma redução de 33 por cento.

Mas, neste caso, podemos estar na presença de algo mais grave.

Se não, vejamos. Steve Jobs, o responsável da empresa, apresentou três 
motivos para os resultados abaixo do previsto. Um deles é comum a todas as 
outras empresas de tecnologia: um abrandamento nas vendas, especialmente na 
Europa.

Mas há outros dois motivos que se prendem directamente com a estratégia da 
empresa e que justificam de alguma forma a reacção violenta dos 
investidores. Esse dois motivos têm nome: o Cubo e a Educação. Ou, mais 
propriamente, as fracas vendas de ambos.

Comecemos pelo PowerMacintosh G4 Cube, de que Computadores falou quando do 
seu lançamento. Já na altura, demos conta que alguns analistas se 
interrogavam sobre qual seria o verdadeiro mercado da máquina, uma vez que 
era demasiado cara para o mercado doméstico e demasiado limitada para o 
mercado profissional. Mas Jobs, no seu estilo habitual, optou pela 
hipérbole e posicionou o Cube, em termos da linha de produtos da empresa, 
como "o novo iMac" - com a vantagem de que este é um produto de margens 
gordas.

Ora, numa altura em que a empresa apostou forte num produto cuja reacção do 
mercado foi de entusiasmo mas de pouca procura efectiva, é razoável que os 
investidores se interroguem sobre o que é que se passou de errado e, mais 
importante do que isso, o que é que poderá ser feito para evitar a 
repetição de erros no futuro.

Quanto ao Cube, o dilema da Apple é óbvio: se baixa o preço, aumenta as 
venda mas perde margens; se mantém o preço, perde vendas. O resultado 
líquido é idêntico.

Mas mais grave Será o facto de os maus resultados do terceiro trimestre 
terem sido atribuídos a vendas abaixo do esperado no mercado do ensino. É 
que, nos Estados Unidos, o mercado da Educação é o grande mercado da Apple 
(a par da edição electrónica e da criação multimédia a nível profissional). 
Além disso, Setembro é tradicionalmente o mês mais forte nas vendas para o 
sector. Uma vez mais, o raciocínio dos investidores é linear: se foi assim 
em Setembro, nos próximos meses poderá ser pior.

Restam várias saídas à Apple, tanto em termos de mercado como ao nível dos 
produtos. Relativamente a estes últimos, Jobs ainda tem alguns trunfos na 
manga. O sistema operativo MacOS X, cujo lançamento foi adiado para Janeiro 
de 2001, poderá renovar o interesse nos produtos da marca além de suscitar 
algumas compras de actualização (por exemplo, a maioria dos iMac tem 32 ou 
64 MB de RAM; a memória aconselhada para o MacOS X é de 128 MB). Em termos 
de produtos, existe uma linha que ainda não foi sujeita ao "efeito Jobs" - 
os PowerBook, portáteis de topo de gama normalmente adquiridos pelas 
empresas para os seus executivos.

Quanto a novos mercados, o problema já é mais complicado. A entrada de Jobs 
na Apple levou ao abandono do projecto Newton - precisamente quando os 
pequenos computadores de bolso começaram a tornar-se populares - e à 
redução do investimento em investigação e desenvolvimento (I&D). Mas resta 
ainda um mercado tradicionalmente avesso aos Macintosh: o mercado empresarial.

Contudo, apesar de ser sempre possível ver Jobs tirar um surpreendente 
coelho da cartola, o mercado empresarial deverá continuar relativamente 
impenetrável aos avanços da Apple. E isto pela simples razão de que, para 
as empresas, o que conta são as aplicações e estas são tradicionalmente 
concebidas para correr em plataformas Windows-Intel.

Uma evolução (revolução?) do mercado para um mundo baseado em aplicações 
via Internet - como chegou a ser desenhado há três ou quatro anos, no meio 
da euforia com a linguagem Java - poderia tornar irrelevante a plataforma. 
Mas isso (ainda) não aconteceu e a Apple poderá começar a ficar sem tempo 
para esperar.

Olhando para o anúncio da Dell - que baixou de 30 para 27 por cento a sua 
projecção de crescimento -, o que está a acontecer poderá ser, 
independentemente dos erros particulares de cada empresa, um simples 
amadurecimento do mercado.

Especialmente nos EUA, o maior mercado mundial dos PC, existem indícios 
claros de saturação. Muitas famílias não têm ainda PC mas, provavelmente, 
nunca terão. Noutras, começa a comprar-se um segundo computador - e a 
tendência, como quando se compra um segundo televisor, é a de adquirir um 
PC não muito caro.

Quanto às empresas, especialmente as maiores, é cada vez mais evidente que 
já compraram tudo o que havia para comprar. Agora, entraram nos ciclos de 
renovação normais, da ordem dos três anos
- ou mais, consoante as regras fiscais locais referentes à amortização dos 
equipamentos.

Mais estranha é a situação na Europa. Michael Dell, o director-geral da 
empresa que tem o seu nome, comentava na passada semana em Madrid que a 
Europa é hoje a maior economia do mundo mas que as empresas europeias têm 
ainda menos computadores por pessoa que as suas congéneres 
norte-americanas. Com efeito, de acordo com a empresa de pesquisa de 
mercado britânica Context, o mercado empresarial dos PC cresceu apenas 9,5 
por cento na Grã-Bretanha, França e Alemanha (os maiores mercados europeus) 
quando muitos analistas apontavam para valores da ordem dos 20 por cento.

Uma das respostas possíveis para esta situação poderá ser encontrada no 
elevado valor do dólar face ao euro mas, pelo menos no caso da 
Grã-Bretanha, cuja libra também tem mantido o seu valor elevado, a 
explicação não colhe. Na verdade, neste final de ano, o mercado da 
informática não assiste ainda a um amadurecimento semelhante ao do mercado 
automóvel, cujo crescimento é hoje muito moderado. Afinal, 27 por cento de 
crescimento para o segundo maior fabricante mundial de PC não é 
propriamente uma desgraça - mesmo que fique três pontos percentuais abaixo 
do esperado.

Contudo, estes sinais deixam antever que o mercado está a começar a ficar 
saturado, ainda que de uma forma gradual.Finalmente, os números do terceiro 
trimestre mostram algo que já se sabia desde há muito: que a indústria 
informática andava muito mal habituada.



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