Almandrade on Wed, 9 Apr 2003 07:12:05 +0200 (CEST)


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[nettime-lat] En: entrevista Almandrade







Almandrade:

   Almandrade é Antonio Luiz M. Andrade. Poeta dono de um estilo
   onde  o  minimalismo é o cursor de sua estética,  trabalha  o
   poema  como  quem  lapida um diamante. Na maioria  das  vezes
   consegue  o seu intuito: o de deixar tudo muito bem  dito  de
   forma   antiverborrágica. Além disso, Almandrade é muito  bom
   frasista o que só amplia o raio de ação de sua poética.

   Almandrade também é Artista plástico, arquiteto, mestre em  desenho
   urbano e poeta.
   Participou de várias mostras coletivas, entre elas: XII, XIII
   e  XVI  Bienal de São Paulo; "Em Busca da Essência" -  mostra
   especial  da  XIX  Bienal de São Paulo;  IV  Salão  Nacional;
   Universo  do Futebol (MAM/Rio); Feira Nacional (S.Paulo);  II
   Salão   Paulista,  I  Exposição  Internacional  de  Escultura
   Efêmeras  (Fortaleza);  I Salão Baiano;  II  Salão  Nacional;
   Menção  honrosa  no  I  Salão Estudantil  em  1972.  Integrou
   coletivas  de  poemas  visuais,  multimeios  e  projetos   de
   instalações no Brasil e exterior. Um dos criadores  do  Grupo
   de  Estudos  de  Linguagem  da Bahia  que  editou  a  revista
   "Semiótica"  em 1974.

   Nesta entrevista ao Conversa aos Domingos, Almandrade colocou-
   se  de  alma  inteira e revelou que "numa sociedade  dominada
   pela  cultura  da mídia, da moda, do fácil e do  descartável,
   que  despreza a reflexão, o escritor, o poeta e o artista são
   personagens  inúteis  que  passam  o  tempo  recuperando  uma
   poética  e  uma  forma de saber perdidas ou  desprezadas".  É
   contra este desprezo que nós estamos lutando.



Conversando com Seo Mário

   Por  que  o  poema  curto é o paradigma da poesia  brasileira
   atual?

   Não  tenho informações suficientes para afirmar que  o  poema
   curto é o paradígma da poesia atual. No meu caso, a arte e  a
   poesia  me  desviaram para o uso de um repertório  mínimo  de
   signos verbais ou pictóricos, como método de trabalho.  Tenho
   como referências: a vanguarda poética, o construtivismo  e  a
   arte conceitual. Mais tarde me aproximei das conferências  de
   Ítalo Calvino, principalmente sobre a leveza

   "monumentos perdidos/pinturas nas paredes dos museus/cavernas
   modernas".
   O  que há de comum entre monumentos perdidos e a pintura  nas
   paredes  das  cavernas? "Tudo passa menos o tempo"?  Circulos
   que se prendem em círculos? Eterno Retorno?

   A  poesia é um fazer com a linguagem, um exercício que leva a
   linguagem  a   um  limite, a romper com  os  significados  do
   cotidiano.  "...ir o mais longe  possível, e  não  alcançar."
   (Bataille).  Na minha poesia há imagens, às vezes   absurdas,
   contraditórias,   relações  estranhas...  possíveis   só   na
   linguagem  poética. O poeta é livre para transformar a  ordem
   e o sentido das coisas.
   Mas  podemos  aproximar da lógica do cotidiano,  um  problema
   para  o leitor  resolver, ele é cúmplice dos significados  de
   uma  obra poética. Como diz  Borges: "Aquele que lê as minhas
   palavras as está inventando." - Por  exemplo: as cavernas com
   suas inscrições visuais são os museus do homem  primitivo.  O
   homem moderno armazena suas imagens visuais (artísticas)  nos
   museus (cavernas modernas).

   "tudo  é  íntimo/na desordem/do sofrimento". Não acredita  no
   sofrimento  coletivo? Quando sofrer pode ser ordenar?

   A  resposta  anterior poderia ser também ser uma  resposta  a
   esta pergunta.
   A  linguagem poética não é porta-voz do sofrimento da dor  ou
   do  riso, eles  estão presentes na poesia, mas como elementos
   simbólicos, fazem parte na  natureza do homem. E ele  projeta
   naquilo que lê ou vê seus sofrimentos, suas  angústias e suas
   alegrias.

   "a  razão/é  um pensamento/sem saída". Quais as  saídas  para
   além do  cartesiano?

   Esta talvez seja uma provocação, não sei se existem saídas,  a
   não  ser  o   riso.  "Os limites da minha  linguagem  são  os
   limites do meu mundo",  (Wittgenstein). A poesia é uma  forma
   de  pensamento que não responde, interroga o pensamento. E  a
   razão  "...é  apenas  a imperfeição da   inteligência",  como
   afirma São Tomás de Aquino.

   Você foi um dos criadores do Grupo de Estudos de Linguagem da
   Bahia  que   editou  a  revista "Semiótica"  em  1974.  Quais
   caminhos a internet abre para o  estudo da semiótica?

   Estamos  deslumbrados  com  a internet,  como  se  ela  fosse
   resolver alguma  coisa ou tornar o homem mais inteligente. Na
   verdade é apenas um meio que pode estar a serviço de qualquer
   área  de  conhecimento: facilita contatos, (esta  entrevista,
   por   exemplo)  informações,  ela  pode  divulgar  pesquisas,
   trabalhos, mas não vai produzí-los.

   Quando um objeto pode ser um poema? Quando que uma só palavra
   pode  ser  um   poema? Quais são os limites que  delimitam  a
   poesia concreta e a poesia  visual?

   A poesia pela sua forma de escrita, diferente da prosa sempre
   foi   um    enunciado   visual.  A  poesia   concreta   é   o
   reconhecimento e a afirmação da poesia como uma  arte  também
   visual,  que o poema-processo assumiu na sua radicalidade,  a
   meu ver, levando o poema a um rompimento com a literatura.
   Eu  quando faço poema visual, eu penso como uma arte  gráfica
   que  dialoga  com a literatura. - Um objeto  ou  uma  palavra
   assume  a  condição poética quando  apropriada,  inserida  ou
   deslocada  para  o  contexto poético,  quando  produz  certas
   emoções que denominamos poética. (me lembro de Valery).

   O  que é que a Bahia tinha que não tem mais? Desde Caetano  e
   Gil não nasce um artista do mesmo porte destes dois, na terra
   de ACM. Ë uma crise da Bahia ou brasileira?

   É  um problema que me parece internacional. No caso da música
   baiana  (ou melhor, brasileira), cresceu em mercado mas  caiu
   em  qualidade. Fazemos parte de uma civilização que tem  como
   princípio  de  ética o consumo. Pensar hoje  em  dia,  é  ser
   retrógrado. Quando o importante não é mais a qualidade mas  a
   quantidade, tem alguma coisa de errado!... ou errado é o  ato
   de pensar?...

   Walter Benjamin apontava o cinema como a grande arte. Há  uma
   arte maior que a outra?

   É  preciso refletir sobre esta afirmação do Benjamin no lugar
   e   no   tempo  onde  foi  pensada.  (No  auge  da  revolução
   industrial). Não há uma arte maior que outra. Os  saberes  de
   uma  sociedade são díspares e são mais importantes dentro das
   suas especificidades.

   Tem alguma epígrafe?

   Acho que não, pelo menos neste exato momento...

   Qual o papel do escritor na sociedade?

   O  papel  do  escritor é escrever, produzir  conhecimentos  e
   questionar  sua  natureza, inventar  outras  relações  com  o
   mundo. Mas numa sociedade dominada pela cultura da mídia,  da
   moda,  do fácil e do descartável, que despreza a reflexão,  o
   escritor,  o  poeta e o artista são personagens  inúteis  que
   passam  o tempo recuperando uma poética e uma forma de  saber
   perdidas ou desprezadas. Para o homem não perder a memória.
                                   Repórter: Rodrigo de Souza Leão


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